De antemão - e é sempre bom avisar -, previno meus seletos leitores e leitoras que trata-se de uma pequena brincadeira.
Mas, como quase toda brincadeira, com seu fundinho de verdade...
Também, para não fugir do habitual, farei um preâmbulo recheado de reminiscências da minha infância.
Como bom (ou mau) canceriano, vivo revirando gavetas empoeiradas da minha memória.
Quase sempre me estrepo, basicamente porque caio nas armadilhas do coração.
Faz parte, vamos lá...
Meu pai havia comprado seu primeiro carro zero quilômetro em 1974, na concessionária Lemar, um Corcel LDO Vermelho Jambo (conto em detalhes aqui), e partiu para o seu segundo carnê de consórcio para "tirar" um novo carro, que acabou saindo em 1977.
O consórcio, como acontece até hoje, na verdade premiava com uma cota, um valor, e o contemplado usava o dinheiro como bem entendesse, podendo escolher o carro que coubesse no seu orçamento, ou adicionando algum mais caso quisesse um modelo superior.
Meu pai era um fã de carteirinha da Ford.
Sempre suspirava quando um Galaxie 500, um LTD ou um Landau passava ao nosso lado.
Era espantoso seu trafegar macio e absolutamente silencioso.
Seu potente motor V-8 fazia menos barulho que os desses insossos carros elétricos ou híbridos atuais.
"Que carro, você esterça o volante com um dedo", dizia meu querido e inesquecível pai, referindo-se a um item ainda raro no Brasil naqueles tempos, a direção hidráulica.
Ele havia experimentado uma vez, na volta de um jantar do Lions Clube da Vila Guilherme, o Galaxie de um grande amigo, o Seu Fernando Borges, casado com a Dona Lydia, pais do Mauro e da Magali.
E, satisfeito com seu primeiro Corcel, era natural que a escolha recaísse sobre outro Corcel, mesmo porque o orçamento não permitiria a um salto gigantesco para um Galaxie, mas não sei porque cargas d´água acabamos em um fim de tarde desembocando na Vimave, pertinho de casa, concessiónária Volkswagen na Rua Curuçá, na Vila Maria.
Alias, Vimave é a abreviação de Vila Maria Veículos.
Como viajávamos bastante, para a Praia Grande - então no querido Edifício Araújo -, e também para Mairiporã, no mais querido Saint Moritz, o clube de campo onde eu joguei bola com tanto amor, sonhando que aquele seria apenas o trampolim para minha profissionalização, havia certa lógica para que meu pai olhasse com bons olhos para uma perua, e ali na Vimave havia uma: a Variant.
Meu pai não ficou lá muito entusiasmado assim que abriu a tampa traseira e se deparou com um porta-malas raso, por conta da presença do motor logo abaixo.
Duas malas médias seriam mais do que suficientes para encbrir sua visão pelo retrovisor interno, algo que ele fazia questão de que fosse bem clara.
Na dianteira, o outro porta-malas, de capacidade tímida, também não provocou suspiros.
Meu pai apontou para as laterais traseiras da Variant, as aberturas de ar, que a gente não sabia direito se era para o ar entrar ou sair do motor. Guardem essa informação...
Um vizinho nosso, que tinha uma Brasília, que na verdade era uma mini Variant, queixava-se do calor dos infernos que fazia dentro do carro pelo fato do motor ficar dentro do habitáculo.
E, depois de três bons anos a bordo de um Corcel, ainda que seu porta-malas estivesse no limite para toda a bagagem de cinco pessoas, meus pais e meus dois irmãos, sair da linha Ford, com seu esmerado acabamento, e migrar para a vocação espartana de um modelo Volkswagen, fez meu pai torcer o nariz...
Os estofamentos simplórios da Variant e o piso interno em uma borracha de quinta categoria, estavam em distância astronômica do Corcel, forrado com um macio carpete, com luz no porta-luvas, luzes partes internas nas portas, no porta-malas e até no cofre do motor.
Os bancos também eram muito mais macios e os passageiros do banco de trás ainda tinham o regalo de uma maçaneta para uma janela que abria até embaixo...
No dia seguinte estávamos na Avenida Jabaquara, na Lemar, mesma concessionária Ford onde meu pai havia tirado seu Corcel 74, três anos antes...
A linha Corcel havia passado por uma pequena restilização, coisa pouca mesmo, como nova grade dianteira, lanternas traseiras com frisos e um encantador interior em duas cores, marrom e bege, que nos seduziu de primeira.
A maior mudança, todos sabem, aconteceu em 1978, quando a Ford lançou o Corcel II, mas meu pai não sabia da novidade que estava para chegar...
Ali no amplo saguão da Lemar, havia outros modelos, incluindo o Landau, carro dos sonhos do meu pai, e outro que por pouco não acabou sendo nosso segundo carro zero quilômetro, o Maverick.
Meu pai sentou-se ao volante, simulou troca de marchas naquele modelo duas portas elegante, equipado com um motor de 4 cilindros.
Atrás, eu e meu irmão mais velho, ainda que pequenos, percebemos que nossas cabeças quase raspavam no teto.
Estávamos entre a primeira e a segunda crises do petróleo, e o Maverick tinha a má fama de ser beberrão, um contraponto ao Corcel.
Daí, sem pestanejar, a escolha para um novo modelo do bom carro da Ford acabou sendo natural.
Areia Casablanca foi a cor escolhida do modelo LDO, sigla para Luxuosa Decoração Opcional.
Falei tudo isso apenas para dizer que os carros de Fórmula 1, todos eles já apresentados, mantém uma mesma solução adotada no ano passado, com o novo regulamento, aquelas entradas ou saídas de ar nas proximidades do motor, ou motores...
Foi uma gambiarra providencial que arrumaram por conta do pouco espaço entre a unidade de potência a combustão e a elétrica, somadas aos sistemas de recuperação de energia, uma plêiade de engenhocas que criaram e deixaram os carros de Fórmula 1 mais complexos do que naves espaciais.
Desde que vi pela primeira vez as tais "guelras", assim apelidadas inicialmente, as achei parecidas com aquelas da Variant que vi lá na Vimave, que felizmente meu pai não comprou.
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