Por um erro de rota ou necessidade de pouso forçado, imagino, a cegonha me deixou na Pro Matre Paulista.
Fosse por minha paixão, a ave teria desembarcado o alemãozinho de cabelos cacheados, olhos azuis* e covinhas na capital gaúcha.
A descrição não é um exercício de narcisismo. Foi feita pela enfermeira que me levou até os braços da minha mãe.
Porto Alegre, nome mais lindo para uma cidade, deveria ter sido meu destino naquele 17 de julho.
Como o Destino (com D maiúsculo mesmo) sabe bem o que faz, alguns atalhos me levaram ao paralelo 30.
"Deu pra ti", espécie de hino extra-oficial de Porto Alegre, é o título de uma das muitas músicas geniais da dupla Kleiton & Kledir, de quem acabei me tornando amigo.
Deu pra ti, dentre as muitas expressões gauchescas, ficou eternizada na canção, e significa o fim de uma coisa, um basta, chega.
Pensei nesta expressão para tentar traduzir o momento pelo qual parece estar passando o espanhol Fernando Alonso com relação à Fórmula 1.
Digo em relação à Fórmula 1 porque outras portas estão abertas a ele, como ficou cristalino em sua estreia convincente em uma competição absolutamente ímpar em sua vida automobilística, o Rally Dakar.
Porém, para Alonso, piloto que coloco no mesmo patamar de Hamilton e Verstappen, os dois que considero os melhores da atualidade, parece que uma futura tentativa de regresso à F1 mostra-se improvável.
Supondo um retorno em 2021, terão sido dois anos sem guiar um carro de F1, categoria mais exigente física e mentalmente que existe sobre rodas.
Há uma legião imberbe disposta a se digladiar pelo pódio.
Sem falar em Hamilton, com apetite para igualar e superar Schumacher, e Vettel, que precisa (e pode) provar que ainda é bom.
O asturiano sabe que tinha capacidade suficiente para ter sido mais vezes campeão.
Vencer dois campeonatos não se coaduna com seu talento.
Portanto, diferente do que aconteceu com o falecido Niki Lauda, que retornou às pistas para salvar sua companhia aérea de uma robusta crise financeira, Alonso não tem necessidade de juntar mais cobres.
Nem precisa fazer charminho, tentando seduzir com caras, bocas e poses, para que alguém caia a seus pés e pague suas contas.
Quem faz isso sempre cai do cavalo...
O já citado Lauda ficou fora das pistas por duas temporadas (1980 e 1981), retornou em 1982 e foi campeão em 1984.
Voltou "por cima", em uma equipe de ponta (McLaren), o que facilitou as coisas.
Para Alonso buscar ao menos mais um título, haveria de ocupar um cockpit de primeira grandeza, algo que dificilmente estará disponível em 2021.
Como eu quase sempre torço pelos mais velhos, espero estar enganado, tanto quanto esteve Gilles Villeneuve quando perguntado sobre a volta de Lauda às pistas.
O canadense disse que não acreditava que Lauda pudesse novamente ser campeão.
Lauda foi campeão e Gilles nem viu o título, morreu dois anos antes...
Para Lauda, "Deu pra ti" não foi a música...
Será para Alonso?
* Aos quatro anos os meus olhos ficaram verdes, como estão até hoje...
ABAIXO, "DEU PRA TI", COM KLEITON & KLEDIR, DURANTE GRAVAÇÃO DE DVD DA DUPLA, NO TEATRO DA OSPA, EM PORTO ALEGRE
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