De antemão, já aviso que este texto em nada tem a ver com aquela brincadeira de dar um soco na pessoa que está ao lado, por quem viu primeiro o Fusca azul na rua...
Infelizmente não tenho uma foto do Fusquinha azul escuro ano 1969 da minha mãe, placas CQ-4369, meio de locomoção que ela utilizou por vários anos até o dia em que ele foi substituído por um garboso Chevette SL branco, dez anos mais jovenzinho, placas UF-6770.
Assim, a foto que aparece ao lado nesta croniquinha, é meramente ilustrativa, imagem de um exemplar semelhante que encontrei em um artigo do parceiro UOL.
Com três filhos, e meu pai saindo cedo para trabalhar com seu Corcel 1977 areia casablanca (nome pomposo para um lindo tom de creme), placas JJ-6127, minha mãe criou coragem para se matricular na "Auto Escola Mocidade", na Rua do Imperador, na Vila Maria.
Morávamos exatamente na divisa entre a Vila Maria e a Vila Guilherme, no número 115 da querida Rua das Palmas, então uma estreita via de paralelepípedos que liga a Maria Cândida à Imperador.
Ter um carro seria mesmo uma "mão na roda" para minha mãe, podendo fazer suas compras na Eletroradiobraz da Maria Cândida (onde hoje está o "Sonda"), levar e buscar os filhos à escola, ao pediatra (o Dr. Max Ejzenbaum, na Voluntários da Pátria, em Santana), ou fazer as compras de materiais escolares na papelaria do Seu Zezinho, na Praça Oscar da Silva.
Sem sustos, atenta às instruções do Seu Calmon, responsável pelas aulas da "Auto Escola Mocidade" em seu Fuscão vermelho, minha mãe passou de primeira no exame de habilitação, isso já na casa dos 40 anos de idade.
Foi o tio da minha mãe, o saudoso Tio Luiz, que tinha uma loja de carros usados na Conselheiro Nébias, no Centro de São Paulo, quem vendeu o Fusquinha 69 para o meu pai.
Meu pai encasquetou com o volante original e colocou um bem menor, dando um quê de esportividade ao valente carrinho, que parecia novinho, mesmo com mais de oito anos de nascimento...
Além da perda de originalidade com a troca do volante, feita na loja de acessórios "Popó Som", na esquina da Rua Marili com a Maria Cândida, o Fusquinha já veio com outro detalhe que não era de fábrica, as rodas traseiras mais largas, que na época ganhavam a alcunha de "tala larga", mais uma característica que dava um jeitinho mais jovial ao carrinho, no estilo do filme "Se o Meu Fusca Falasse".
Por aqui, em diversas vezes, já falei da minha paixão por carros e amor às corridas. As corridas, aliás, tornaram-se, para o meu deleite, uma das atividades do meu dia a dia, profissionalmente falando.
Meu pai, generoso como só ele, abastecia seus filhos de mimos, entre eles a semanal "Revista Placar" e a mensal "Quatro Rodas".
Eu devorava ambas, principalmente a "Quatro Rodas", com as matérias sobre carros, os testes comparativos capitaneados pelo meu hoje amigo Claudio Carsughi e robustos textos ilustrados com fotos do Lemyr Martins sobre os GPs de Fórmula 1.
Na "Quatro Rodas", certa vez, foi publicada uma matéria sobre regulagem de carburador.
O Fusquinha da minha mãe estava "engasgando", ou, como se dizia no popular, "engasopando".
Eu tinha um apelido interno em casa, porque gostava de abrir rádios, fuçar em vitrolas, desmontar liquidificadores e, claro, regular motores dos meus carrinhos de autorama: "Fuça-Fuça" era o meu apelido, dado pela minha mãe.
Modéstia à parte, quase sempre eu conseguia fazer os reparos.
Melhor, sem sobrar nenhum parafuso!
Certo dia, minha mãe saiu com uma amiga para um chá de mulheres do Lions Clube de Vila Guilherme, do qual meu pai foi presidente por uma gestão.
Minha mãe deixou o Fusquinha na nossa garagem do sobradinho e foi com a Dirce, sua amiga, no Opala vermelho que ela tinha.
A chance estava nas minhas mãos!
Assim como a garotada de hoje, que se vale de tutoriais no YouTube atrás de soluções mirabolantes para consertos caseiros em torneiras elétricas ou "inovadoras" receitas de brigadeiro, eu tinha em mãos a "Quatro Rodas" para dar um jeito no claudicante carburador do Fusquinha...
Tão logo o Opala da Dona Dirce sumiu no fim da Rua das Palmas, com minha mãe dentro, fui encarar a missão que tinha engendrado no alto dos meus 11 anos...
Chave de fenda aqui, chave de boca ali, até que encontrei o tal do "giglê".
Giglê é uma espécie de porca com um furinho bem pequeno por onde passa o combustível.
A dica da revista era para que o mesmo fosse "soprado" ou "chupado", para remover possível impureza da gasolina ou do filtro de combustível.
Fiz isso num piscar de olhos e cheguei na área, digamos, mais "perigosa".
A bóia do carburador, que regula a quantidade de combustível, alojada em uma espécie de reservatório minúsculo.
Lá havia uma mola, que estava mal apertada.
Ajustei, de acordo com o que estava escrito na matéria da revista...
Em 20 minutos, meia hora no máximo, meu trabalho estava concluído, mas eu precisava saber se o carro ligaria.
Morávamos em uma casa geminada, com vizinhos queridos dos dois lados: a família Miranda, dos saudosos Seu Antonio Miranda, da também saudosa Dona Yolanda, das filhas Silene e Seli e do caçula, o saudoso Adilson Miranda (o Dinho), ex-jogador do Corinthians e do Inter de Porto Alegre; e a família Costa, do Sérgio, que era nosso dentista particular, casado com a Conceição.
Era uma tarde tranquila, e eu tomei coragem para girar a chave no contato e...
"Vruuuuuummmmm", pegou de primeira, funcionando "lisinho".
No dia seguinte eu fui com minha mãe ao mercado, e assim que ela dobrou a Maria Cândida, disparou:
- Nossa, parece que o carro tá melhor, não tá mais falhando...
Eu fiquei quieto, guardei segredo até hoje...
Apenas dei um sorriso de leve, acho que nem minhas covinhas se pronunciaram no gesto...
Agora, com um pequeno atraso, ela vai descobrir que o "Fuça-Fuça" deixou seu lindo Fusquinha azul assobiando como novo, sem engasgar...
OBS: Minha memória é um dos meus maiores orgulhos e um bom trunfo na hora em que me empenho para escrever. Desta vez ela me traiu, pois eu não lembrava — de jeito nenhum —, o nome do dono da papelaria. Precisei recorrer a uma querida amiga dos tempos de Primário e Ginásio no "Afrânio Peixoto", a Sandra Machado, que me trouxe luz sobre o querido Seu Zezinho... Gracias, Sandra!
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