Carlos Adolfo Buttice, ou simplesmente Buttice, ex-goleiro argentino, morreu em 3 de agosto de 2018, aos 75 anos. A causa da morte não foi divulgada na ocasião.
Ele estava aposentado, vivendo dos recursos que amealhou ao longo de sua carreira, residindo em Buenos Aires.
Nascido em 17 de dezembro de 1942 em Montegrande, era o goleiro do Corinthians em 22 de dezembro de 1974, na final do Campeonato Paulista diante do arquirrival Palmeiras que venceu a equipe alvinegra por 1 a 0, gol do atacante mineiro Ronaldo Drummond.
Buttice chegou a tocar na bola, mas não conseguiu evitar o gol do esmeraldino, e o Corinthians chegava ao seu 20º ano sem títulos.
Mas esse episódio em nada manchou a bela carreira do argentino apelidado de "Batman", pela característica marcante que possuía em voos cinematográficos para encaixar as bolas e, também, pelo fato de ter sido o goleiro argentino que mais vezes enfrentou Pelé (15 jogos) sem jamais ter sofrido um gol do Rei.
Outra característica do valente Buttice era sair jogando como um líbero, característica que seu compatriota Fillol (ex-Flamengo) também adotou em sua carreira.
Seu pai tinha uma frota de caminhões que prestava serviço para a Alpargatas (calçados) na Argentina, mas Buttice começou sua vida profissional longe da empresa do pai, profissionalizando-se no futebol aos 22 anos pela equipe argentina do Los Andes, sem ter passado por categorias de base, transferindo-se depois para o Huracán e San Lorenzo até desembarcar no Brasil para atuar pelo América-RJ, em 1971.
Depois, entre 1972 e 1974, jogou pelo Bahia ao lado de Douglas, Baiaco e Picolé, entre outros.
Em 1974 foi contratado pelo Corinthians, chegando para disputar posição com Ado. O argentino acabou ganhando a titularidade, incluindo os jogos decisivos da final do Paulista de 1974, por conta de uma briga entre Ado e o técnico corintiano Sylvio Pirillo.
A perda do título para o Palmeiras acabou por provocar uma grande reformulação no elenco de Parque São Jorge, que incluiu as saídas de Rivellino e do próprio Buttice , que voltou ao futebol argentino para defender primeiramente o Atlanta (1975) e em seguida o Gimnasya y Esgrima de La Plata, em 1976.
Passou quatro temporadas no futebol chileno (1977 a 1982) pelo Unión Española e novamente voltou a Argentina para jogar pelo Banfield (1981 e 1982) e o Colón, em 1983, clube pelo qual encerrou sua carreira.
Esteve no grupo da seleção argentina em duas oportunidades: em 1966, após a Copa da Inglaterra e nas Eliminatórias para a Copa de 1970, como reserva de Cejas, ex-goleiro do Santos.
Em 1987 foi o goleiro da seleção argentina na Copa Pelé, torneio que reuniu diversas seleções, sob organização de Luciano do Valle e com cobertura da Rede Bandeirantes de Televisão.
Em entrevista ao programa Relaciones Humanas, da Argentina, em 2010, Buttice definiu de maneira sintética dois jogadores brasileiros:
"Pelé, um monstro"; "Rivellino, um fenômeno", disse o ex-goleiro argentino que pelo Corinthians jogava com um uniforme inteiramente negro e no Bahia utilizava uma camisa azul clara.
Buttice, cujo apelido na Argentina era "Batman", pelos voos que fazia para interceptar as bolas, teve dois filhos: Pablo (que mora em Miami) e Marcelo (que reside no Panamá). Também deixou cinco netos.
ABAIXO, ENTREVISTA DE BUTTICE AO PROGRAMA "RELACIONES HUMANAS", DA ARGENTINA, EM 2010 (INDICAÇÃO DE EMÍLIO A. DUVA)
ABAIXO, EM 1987, JÁ APOSENTADO, MAS DEFENDENDO A SELEÇÃO DE MASTERS DA ARGENTINA, BUTTICE TEVE UMA EXCEPCIONAL ATUAÇÃO CONTRA O BRASIL NA COPA PELÉ, EM JOGO DISPUTADO NO PACAEMBU, COM VITÓRIA ARGENTINA POR 1 A 0.
Dia dos Pais no país do futebol
Texto de Marcos Micheletti
Meu pai, assim como eu e milhões de brasileiros, quis ser jogador de futebol.
Eu era bem pequeno, início dos anos 70. Em frente ao prédio em que tínhamos apartamento, em Praia Grande, litoral de São Paulo, havia uma praça, hoje conhecida como "Praça das Cabeças" (foto ao lado).
A praça não tinha bancos, jardim, coreto ou chafariz. No lugar deles, mato e duas traves de futebol.
Da calçada, morrendo de vontade de estar entre eles, vi meu pai driblar, marcar gols e deixar seus companheiros de time na cara do gol.
Por isso, e só por isso, tenho certeza que ele teria sido um craque.
Nascido em 1935, ele poderia ter feito tabelinhas com Luizinho "o Pequeno Polegar", aproveitado os cruzamentos de seu maior ídolo, Cláudio Cristóvam de Pinho e mergulhado de "peixinho" para fazer um gol contra o Palmeiras.
Teria ajudado Idário, o valente lateral-direito corintiano a enfrentar Canhoteiro, do São Paulo e Rodrigues Tatu, do Verdão.
Cruzaria todo o campo para dar um abração em Gylmar dos Santos Neves, o maior goleiro que ele viu jogar, para comemorar um gol.
Tal qual um Quixote, duelaria contra Bauer, Rui e Noronha para ver o seu Corinthians derrotar o temível São Paulo.
Dificilmente ele conseguiria vestir outro uniforme que não fosse aquela camisa branca e aquele calção preto do time de Parque São Jorge.
Não, meu pai não seria o profissional que troca de time a cada ano. Seria fiel. Seu amor pelo Corinthians talvez fosse capaz, até, de reduzir os longos anos
em que o Santos de Pelé fez "gato e sapato" do Timão.
Fico até sem jeito, nesse dia dos pais, por reconhecer que nunca conseguirei lhe dar um presente tão precioso quanto ele me deu: o amor pelo futebol.
As noites em que chegava cansado do trabalho e não media esforços para me levar ao Pacaembu, em meados dos anos 70.
Chegávamos 15 minutos antes do início da partida, comprávamos o ingresso sem quaisquer atribulações e acelerávamos as batidas de nossos corações no compasso dos surdos de nossa torcida.
Meu pai, que estacionava o carro na Praça Charles Miller, sempre parava na mesma barraca do sanduíche de calabresa com cebola. Saboreava com um copo de guaraná.
Eu, na "curvinha" do Pacaembu, naqueles bancos cor-de-laranja de madeira, esperava pelo vendedor de cachorro-quente.
"Com mostarda, por favor!", meu pai pedia ao vendedor para que me servisse.
Um cone de papel azul com listras brancas guardava um punhado de amendoim torrado e salgado, que eu comia sem parar. Tomava suco de laranja, marca "Dico". A sobremesa era um picolé de chocolate.
Reconheço hoje, tantos anos depois, ao lembrar o dia 22 de dezembro de 1974, o momento que me deu a exata noção do amor do meu pai pelo Corinthians.
Naquele começo de noite, estávamos em casa, amargando 20 anos sem conquistar um título.
Vimos o Palmeiras derrotar o Corinthians na final do Campeonato Paulista.
Era hora da "janta", como a gente dizia. Minha mãe havia feito um ravioli caprichado, com um molho de tomate encorpado que só ela sabe fazer.
Lembro de uma lágrima minha caindo sobre aquele prato de massa gostosa, nadando naquele denso molho e coberto por parmesão ralado. Ralado grosso, como deve ser um bom parmesão que cobre uma pasta.
Meu pai não comeu. Subiu calado para o quarto. Queria ficar sozinho.
Um pouco depois eu subi os degraus do sobradinho para vê-lo. A porta do seu quarto estava fechada. Trancada à chave.
No auge da minha deliciosa infância tentei observá-lo pelo buraco da fechadura, mas não o avistei.
Em silêncio, ouvi seu choro. Eu nunca tinha ouvido meu pai chorar.
É verdade que depois meu pai teve muitas alegrias com o Corinthians. Foram tantos títulos que dá até para perder a conta.
Mas, se eu pudesse pedir só uma coisinha para Deus nesse Dia dos Pais, pediria para ser o goleiro Buttice, naquele 22 de dezembro de 1974.
O goleiro do Corinthians que chegou a tocar na bola chutada pelo centroavante alviverde Ronaldo.
Pai, eu defenderia aquela bola. Só para não tê-lo ouvido chorar.