Um dia de fúria
Em meio às homenagens por seus 80 anos, Nílton Santos guardou um momento para o desabafo: aqui, ele revela sua mágoa com os puxa-sacos e não quer que o chamem mais de enciclopédia!
Por Joanna de Assis
No dia em que Nilton Santos deixa o mundo dos vivos e o futebol carente de mais um ídolo, PLACAR relembra um bate-bola histórico realizado com o ex-craque, em 2005. Naquele dia, a "Enciclopédia" não estava lá de muito bom-humor...
O senhor está completando 80 anos...
(Interrompendo) Já passei um monte de aniversário e ninguém me ligou. Mas agora é 80 anos, né? Não quero homenagem alguma! O Botafogo inventou isso, mas eu não estou interessado! Não sou herói. Quem vai para a guerra é que é, não eu. Eu quero ser esquecido!
Mas...
Tem gente que me conhece e acha que é meu amigo. Não é meu amigo! Quero que respeitem a minha idade! Os caras da minha época já foram... só resta eu. Já passou! Eu como e durmo em cinco minutos porque sempre fiz o bem... fiz o bem para muita gente! Mas não acredito em Deus, apenas tenho a minha religião. O telefone toca aqui o dia todo... não agüento mais isso! Toca às 5 horas da manhã! Eu não tenho mais sossego! Eu nem atendo... Aliás, nem sei por que te atendi.
O senhor tem alguma mágoa do futebol?
Não tenho mágoa. O futebol me salvou. Eu era filho de pescador. Mas foi uma fase. Não quero viver isso para o resto da vida. Já foi! Comprei uma casa em Araruama, onde eu atravesso a rua e estou na praia. Era isso o que eu queria para mim, mas quase não tenho tempo de ficar lá. Aí, a prefeita me chamou para fazer uma campanha: "Remédios a 1 real?. E eu fui. Eu e mais três ex-jogadores. Só que o pessoal falta. E eu não posso faltar. NíltonSantos não pode faltar! Eu não dou entrevista, mas não sou mal-humorado. Só que, se eu não desabafar com você, meu bem, eu enfarto... sério. Ficam me ligando e perguntando das Copas de 1950, 54... Vai pesquisar!!! Querem ganhar dinheiro em cima de mim? Não falo mesmo. E aí depois ficam me chamando de mascarado. Safados, sem-vergonhas! Querem ganhar dinheiro comigo? Aí, eles devem falar que eu sou esclerosado... Eu vivi em um meio danado, sei muito bem como são as pessoas.
O senhor ainda acompanha o futebol?
Sou desligado pra caramba, não acompanho nada. Pode até ser que seja a velhice. Mas não acompanho jogo nenhum. O que a gente vê aqui é resto! Os bons mesmo estão lá fora. Na minha época não era assim, não. Quando o Dino (da Costa) ia para a Itália, ele falava assim: "Garrincha, tenho chance de ir para lá (Itália). Passa a bola para mim, para eu fazer gol??... Aí, o Garrincha driblava todo mundo e passava a bola para ele. Aí, eu falava: "Não vai dar nada para o Garrincha, não?? Eu falava na brincadeira, mas era sério. Para o Garrincha nada? Ninguém dava nada mesmo para ele. Eles estão lá até hoje. Devem estar ricos.
O senhor...
Eu queria mesmo era viver isolado. Mas hoje estou aqui, na Senador Vergueiro, na praia do Flamengo. Mas a culpa é minha. Eu que quis ajudar o governo. É um bem que eu faço pela velhice. Negar, faria de mim um bandido. Mas eu quero ficar isolado. Minha vida foi muito agitada: Seleção, Botafogo, viagens... Minha mulher sabe disso. Hoje eu acordo cedo e vou para a praia. Eu e o "Podi?, um vira-lata que vive comigo (foi um cachorro atropelado que a mulher encontrou na rua). Ele é esperto, viu? Precisa ver... Afinal, é melhor um cachorro amigo do que um amigo cachorro, né? Porque eu já tive muitos amigos cachorros. Pô, tô sozinho. Não tem mais ninguém da minha época. Aí, ficam te perguntando: "Lembra de 1948?? Porra, se eu não me lembro, sou mascarado... É uma bosta isso!
Quais as funções que o senhor recebeu agora no Botafogo?
No Botafogo, eu não queria aquela incumbência de ter de ir lá. Mas aceitei. Vou de vez em quando, para falar com os atletas. Mas está cheio de gente enciumada... Fui na vitória do Botafogo diante do Vasco, parecia que eu havia jogado! "Ah, Nílton, você é pé-quente!? Sim, sou pé-quente mesmo, nunca perdi uma decisão! Tenho 26 títulos... Mas eu vim aqui para torcer, aí vem a pessoa e fala: "Gostou de ganhar?? Dããããã! Não... odiei, achei uma merda. Eu gosto é de perder (irônico). Dá licença, né? Cada perguntinha...
Mas...
Pô, eu vou para a praia, chegam e me falam: "Olha, estou te conhecendo de algum lugar...? Ah, fica quieto, né? Se as pessoas soubessem que o que eu quero é sossego... Eu quero tranqüilidade! Quero ser esquecido! Tanta gente que quer aparecer... Por que eu? Aí ficam me falando... "Ah, esse aqui jogou com o Pelé....? Não senhor! Pelé é que jogou comigo; eu já estava lá quando ele chegou! Ficam me chamando de Enciclopédia do Futebol. Que Enciclopédia, o quê! Desculpe-me por estar desabafando com você, mas isso está me fazendo um bem enorme... Se eu não falar, eu enfarto, sério! Pô... Chegam para um menino de 10 anos e me apontam: "Sabe quem é ele, Zezinho?? E eu fico ali... Feito um boneco, olhando para os dois. Pô, não sou retardado! É claro que o moleque não sabe!!! Olha, me desculpe de novo, mas eu precisava falar. Agora vou parar porque isso já está me cansando... Tchau!
Abaixo, ouça Nilton Santos conversando com Milton Neves sobre Garrincha e sobre ter ficado de fora da lista dos 125 melhores jogadores vivos da história:
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