O futebol brasileiro é uma enciclopédia de heróis, craques e personagens folclóricos, contudo muitos atores e suas histórias deste esporte apaixonante acabam sendo esquecidos. Talvez seja essa a função de cronistas e pesquisadores; manter viva na memória afetiva dos torcedores as lembranças desses jogadores.
Nesse contexto, Bié é um grande personagem do futebol brasileiro e que jamais deve ser esquecido, um jogador extremamente alegre, marcante e com vários causos inesquecíveis.
Daniel Vicente de Lima Filho nasceu no Recife no dia 04 de Outubro de 1951, recebeu o apelido Bíé ainda na infância. Era o craque do Elmo Esporte Clube, clube de Jaboatão dos Guararapes, e o rei das festas dos Blocos carnavalescos Batutas de São e Vassourinhas que realizavam diversos eventos no clube. Infelizmente o Elmo não conseguiu chegar à primeira divisão do Campeonato pernambucano (foi vice em 1966, 1967 e 1971), mas nos amistosos e excursões Bié se destacava pela altura, gols e posicionamento preciso na grande área.
Foi assim que o Icasa resolveu contratá-lo em 1972. Na terra do Padre Cícero, Bié começou a ganhar dinheiro com o futebol e deixou crescer sua marca registrada; uma vasta cabeleira. Os times de Juazeiro do Norte disputavam apenas competições regionais,mas pagavam bons bichos pelas vitórias.
Em 1973 a dupla Icasa e Guarani se profissionalizaram e foram disputar o campeonato cearense, mas Bié não estava gostando do cotidiano, especialmente porque era uma cidade extremamente religiosa.
A direção do Icasa decidiu negociá-lo com o ASA de Arapiraca. Na Capital do Fumo, Bié arrebentou, fazendo parte do célebre ataque “Bado, Bié e Biô”. Após marcar sete gols pelo ASA e se destacar num jogo contra o CSA, a direção do CRB resolveu apostar nele para o Brasileirão. Bié caiu nas graças da torcida do Galo da Pajuçara e da boêmia nas lindas praias de Maceió, a cabeleira já havia se tornado um imenso “Black Power”.
Mesmo jogando mais recuado, como ponta de lança, Bíé recebia boas notas na premiação da Bola de Prata da Revista Placar (naquele ano Dirceu Lopes venceu nessa categoria). Marcou três gols contra o Nacional de Manaus e foi o destaque do CRB naquele Brasileirão, tanto que após arrebentar no empate contra o Guarani em Campinas, foi convidado para em janeiro de 1974 realizar testes no Bugre.
Porém o craque veio “bichado” de Maceió...Com várias alterações em exames de saúde, doenças venéreas e problemas extra-campo, o rendimento de Bié foi fraco no Guarani. Retornou no mesmo ano para o CRB. A Segunda passagem dele foi mediana, com vários problemas com o treinador Santo Cristo que implicava com a vasta cabeleira e noitadas de Bié.
O CRB resolveu vendê-lo ao Botafogo de João Pessoa, entretanto foi uma negociação bastante polêmica, pois a documentação de Bié na CBD ainda o registrava como amador, desde a transferência do Elmo para o Icasa e tendo passado por quatro clubes profissionais. A direção do Botafogo soube desse fato na semana da estréia dele, foi até Jaboatão, pagou a taxa da época referente a profissionalização do atleta (um salário mínimo) e exigiu que o CRB rasgasse o cheque de 25 mil cruzeiros referentes à negociação. Enquanto os clubes brigavam na justiça. Bié seguiu jogando no Botafogo e aproveitando a vida em João Pessoa. A direção até tentou trocá-lo por Galego do Santa Cruz, mas a negociação não foi concluída.
Nessa passagem pelo Belo,Bié iniciou uma grande amizade com o lateral Luizinho Bola Cheia. Luisinho após deixar o futebol se tornou treinador, Professor da Universidade Federal da Paraíba e escreveu livros maravilhosos sobre futebol. No livro "Futebol com humor: histórias verídicas do futebol" descreveu Bié como o rei da pirangagem, um extremo Pão-Duro. Carona não existia para ele, cobrava passagem de qualquer pessoa que entrasse no seu carro. Chegaram a afirmar que ele não cortavam o cabelo para não gastar.
Bié passava vários dias com a mesma roupa e quando a lavava, ficava nu ao lado do varal esperando que ela secasse. Não podia ver nenhum diretor fumando que logo se aproximava para pedir o goia (bituca ou ponta de cigarro). Os zagueiros adversários reclamavam até de um certo odor, mas Bié não se preocupava, perfume para ele servia apenas para festas e noitadas... O futebol tinha que ser com aroma natural.
Luisinho e Bié se reencontraram no Flamengo do Piauí em 1976. Bié imediatamente virou o xodó da torcida do Flamengo, quando estava no banco a torcida gritava no estádio Albertão “bota o Bié, bota o Bié”. Aproveitando a fama com a torcida, ele fez um acordo com a direção do Flamengo; queria receber passagens para visitar a família no Recife como bicho por premiações nas vitórias e conquistas.
O Flamengo foi uma máquina de vitórias e conquistou três turnos, timaço com Décio Costa, Israel, Pilinguiça e Dote. Bié e Dote reeditaram a parceria dos tempos de Icasa, o Flamengo conquistou o estadual. Assim, Bié conseguiu viajar várias vezes para casa. Segundo Luisinho, a mala de Bié sempre estava cheia de papel higiénico, sabonete, lençóis, cinzeiro, fronhas, toalhas e demais coisas que ele conseguia “ganhar” em hotéis do Piauí.
Em 1977 o acordo foi diferente, Bié exigiu passagem de avião. Chegou a ganhar algumas, mas o River levou o Estadual e o Flamengo vendeu o jogador para o Sampaio Corrêa. Óbvio que a passagem dele pela Ilha do Amor não foi marcada pelo futebol, apesar da conquista do título estadual de 1978. Bíé ainda passou pelo Tiradentes do Piauí, retornou ao ASA e Icasa, Itabaiana, América (único clube profissional de Pernambuco que atuou), River e encerrou no Paysandu de Brusque aos 34 anos, por indicação de Angioletti (ídolo do Itabaiana), onde fez um “pé-de-meia aquecido, pois jogou a Segunda Divisão Catarinense e vários campeonatos amadores.
Tentou ser treinador, chegou a dirigir o Caiçara (Campo Maior - PI) e o Duque de Caxias (Caxias-MA). Depois que deixou o futebol, passou a trabalhar como motorista de transporte alternativo e ônibus no Recife. Devido às complicações provocadas pelo diabetes, faleceu no dia 13 de junho de 2018.